Virginia, a jovem esposa de Poe, muito bonita, com uma graça de menina que algumas delas conseguem reter por muito tempo, cada vez com a saúde mais debilitada, estava destinada a uma morte prematura. Uma das grandes alegrias do poeta era ouvi-la cantar, sentada ao piano ou dedilhando a harpa. Na noite de 30 de janeiro de 1847, a melodia se interrompe bruscamente; um vaso dos pulmões se rompera, e Poe não ouviria "nunca mais" a voz que o enlevava. Desde então, ela não podia mais suportar a menor mudança de temperatura, tinha necessidade de tratamentos que a exiguidade da casa e dos recursos não permitiam que fossem tomados. Em sua memória, Poe escreve o angustioso Ulalume.
Era o céu de um cinzento funerário
e a folhagem, fanada, morria,
a folhagem, crispada, morria;
era noite, no outubro solitário
de ano que já me não lembraria;
ficava ali bem perto o lago de Auber,
na região enevoada de Weir;
bem perto, o pantanal úmido de Auber,
na floresta assombrada de Weir.
Lá, uma vez, por um renque titânico
de ciprestes, vagueei, em desconsolo.
Era então o meu peito vulcânico
qual torrente de lava que no solo
salta, vinda dos cumes de Yaanek,
nas mais longínquas regiões do pólo,
que ululando se atira do Yaanek
nos panoramas árticos do pólo.
Tristonha e gravemente conversamos,
mas a idéia era lassa e vazia
e a memória traidora e vazia;
que o mês era de outubro não lembramos,
nem soubemos que noite fugia.
(Ai! A noite das noites fugia!)
Não recordamos a lagoa de Auber
(e já fôramos lá, certo dia);
não pensamos no charco úmido de Auber
nem no bosque assombrado de Weir.
Quando a noite ia já desmaiada
e as estrelas chamavam pela aurora,
pálidos astros apontando a aurora,
eis que surge, no extremo da estrada,
uma luz fluida, nebulosa; e fora
dela se ergue um crescente recurvo,
diadema de Astarté, que se alcandora.
“Menos fria que Diana é essa estrela”,
digo, “a girar num éter feito de ais.
Viu o pranto, que a mágoa revela,
nas faces em que há vermes imortais
e, por onde o Leão se constela,
vem mostrar o caminho aos céus, letais
caminhos para a paz dos céus letais;
a despeito do Leão, vem-nos ela
iluminar, com olhos triunfais;
das cavernas do Leão, vem-nos ela,
cheia de amor nos olhos triunfais.”
Mas diz Psique, tremendo de aflição:
“Dessa estrela, por Deus, desconfia!
Desse estranho palor desconfia!
É preciso fugir de luz tão fria!
Apressemo-nos! Voemos, então!”
E, perdidas de tanta agonia,
suas asas se inclinavam para o chão;
soluçava e, de tanta agonia,
as plumas rastejavam pelo chão,
tristemente roçando pelo chão.
“Isso”, falei, “é um sonho de criança!
Oh! sigamos a luz que facina,
mergulhemos na luz cristalina!
É um clarão de beleza e de esperança
o que vem dessa luz sibilina.
Olha-a: entre as sombras, como gira e dança!
Guie-nos, pois, essa estrela, que ilumina
nossa estrada, com toda a confiança;
que nos guie para onde se destina.
Nessa estrela tenhamos confiança,
pois nas sombras, assim, volteia e dança!”
Dou um beijo a Psique, que a conforta,
impedindo que o medo se avolume,
que a dúvida, a tristeza se avolume,
e da estrela seguimos o lume
a té que nos deteve uma porta
de tumba, e uma legenda nessa porta.
“Doce irmã”, perguntei, “dessa porta
que tragédia a legenda resume?”
“Ulalume!” - responde-me. “Ulalume!”
“Essa é a tumba perdida de Ulalume!”
E me vi de tristezas referto,
como a folhagem seca que morria,
a folhagem fanada que morria!
E exclamei: “Era outubro, decerto,
e era esta mesma, há um ano, a noite fria
em que vim, a chorar, aqui perto,
fardo horrível trazendo, aqui perto!
Nesta noite das noites, sombria,
que demônio me arrasta aqui tão perto?
Bem reconheço agora o lago de Auber,
na região enevoada de Weir;
bem vejo o pantanal úmido de Auber,
na floresta assombrada de Weir!”.
terça-feira, 26 de janeiro de 2010
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